Obviedades Ontológicas

Obviedades ontológicas

Obviedades Ontológicas

Depois de tanto observar a ansiedade, a gente percebe que a sua matéria-prima é, essencialmente, formada por coisas tão óbvias quanto tudo o que nos cerca. Ela é sobre a iminência da morte, a certeza da vulnerabilidade à qual nossa saúde está necessariamente exposta, já que nosso corpo físico é finito e suscetível a diversas intempéries. É também sobre as inevitáveis perdas, os amores sem manual de instrução, as incertezas da vida e a falta de controle sobre a maioria das coisas que nos circunda.

A ansiedade é um acúmulo de receios sobre as obviedades ontológicas. Sobre o que não podemos evitar e que, mais cedo ou mais tarde, fará parte de nossa existência. O TOC é, portanto, uma forma de expressarmos essa falta de habilidade na lida com o imprevisível. É um jeito desajustado e torto de extravasar algo que nos sufoca, que nos constrange e liquida, pouco a pouco. Penso que as compulsões são, como já mencionei outras vezes, um exagero do sentir. Uma válvula de escape que é sempre acionada quando não encontramos alternativa melhor para distrairmos os pensamentos e desviarmos o foco excessivamente apontado para um alvo angustiante. Para uma paralisia que vai nos atormentando silenciosa e grosseiramente.

Ao paralisar, a ansiedade patológica vai nos convencendo de que o medo é uma companhia inevitável, com a clara capacidade de desvirtuar nossas metas, interromper momentos e fazer com que lidemos com a realidade sempre a partir de suas lentes. Ela nos faz acreditar na escassez das possibilidades, negligenciando a razoabilidade e todos os seus indícios sobre a falta de nexo que os pensamentos nos trazem. A vulnerabilidade do ser humano está exatamente nessas brechas da razão, onde se concentram, ao mesmo tempo, o conhecimento sobre o inevitável e a falsa esperança, doentia por natureza, de que é possível evitar alguma dessas coisas que, desde que o mundo é mundo, fazem parte da nossa vida. 

Durante muito tempo, e ainda hoje, me pego pensando no quanto sou fraca em relação a determinados eventos, sobretudo aqueles que fogem do meu controle. No entanto, depois de um tempo, consigo pensar que, ao fim e ao cabo, não há opção. A força, muitas vezes, é a única alternativa. Lidar, enfrentar, encarar de frente. Com o TOC, ironicamente, é isso que faço desde que me conheço por gente. De forma contraditória, tendo a esquecer toda a força que, diariamente, preciso encontrar em mim para viver bem, apesar do TOC. Dentre tantas coisas inexplicáveis nesse transtorno, talvez a mais bizarra delas seja essa tendência de esquecer o quanto há de força no simples fato de viver com ele. No dia a dia, é como se isso fosse apenas mais uma obrigação a ser cumprida, quando, na verdade, é uma prova feroz do quanto somos capazes de viver em meio às adversidades. 

A angústia, já dizia Freud, é difícil de apreender. Ela vai corroendo nosso interior, mas também não é razoável na tarefa de apontar o caminho ou de dar pistas sobre o que a provoca. Na maioria das vezes, é outra dessas ontologias que digerimos com dificuldade ou que resistimos a digerir ao longo da vida. Algo dado, sobre o qual já sabemos, mas não nos permitimos encarar. Postergamos tanto que o simples ato de pensar é doloroso e passível de antecipar todo o sofrimento do que, ironicamente, tentamos evitar. Não há nenhum sentido em nada disso. Contudo, também não é simplesmente chegando a essa conclusão que conseguiremos mudar alguma coisa. O desafio, a meu ver, está em outro lugar. Pertence a outra ordem de coisas. Não se trata de encontrar sentido, tampouco de trabalhar de maneira obcecada no que diz respeito às causas da angústia. Durante todo esse tempo, o que mais tem se apresentado eficaz, para mim, é escolher, todos os dias, viver o momento presente. Há dias mais fáceis do que outros, mas, em síntese, o desafio é sempre minuto a minuto. 

Todos esses comportamentos desencadeados pela ansiedade são fugas das nossas preocupações existenciais. Modos nada convenientes ou adequados de deslocarmos nossas angústias, de redirecionarmos nossa atenção. São meras projeções absurdas de sensações que não conseguimos suportar. Enquadramentos esdrúxulos de medos que vão sendo inseridos em hábitos dolorosos, mas familiares. O teor desconhecido do que aflige, a sensação que se evita sentir através das compulsões passa a doer de outra forma – não menos dolorosa, mas, com o passar do tempo, mais conhecida. As dores de casa, afinal, são sempre vencedoras, a menos que nos arrisquemos em encarar todas essas obviedades ontológicas de uma maneira mais prática, sentenciando a solidão do sofrimento a um lugar abafado e escuro.

Thiane Ávila

Thiane Ávila

Escritora