Borboleta amarela
Toda a jornada é feita de símbolos. Creio que as significações da vida são tão particulares a ponto de raras as vezes conseguirmos passar exatamente a mensagem que queremos aos outros. Não há esforço grande o suficiente que seja capaz de traduzir as sensações e os olhares. As combinações que fazemos com nosso interior, no silêncio das orações ou no agito do dia a dia, são sempre unas. Independentemente da forma como amarramos nossos sinais, eles são sempre válidos.
A minha borboleta amarela voa comigo o tempo inteiro. Tem cheiro e aspecto inconfundíveis. Ela passa em momentos oportunos do dia para me lembrar de estar presente e de resgatar o sentido das coisas que faço, assentando os pés no chão para nunca perder o hábito de visualizar minhas raízes e valores.
A borboleta acaricia meu rosto pelo seu simples aceno, pousando em meu olhar como quem quer e merece ser vista com toda a atenção e calma do mundo. Assim como o sol aponta o seu clarão e, mediante tal ato, ninguém duvida do nascer do dia, minha borboleta amarela escancara o amor que faz parte inerente do mundo e de todos nós, mesmo nos dias em que estamos mais desacreditados de tudo.
Invariavelmente, trazemos à rotina uma névoa por vezes densa de pensamentos e superficialidades. Coisas que nos estressam e maltratam a paz de espírito, sugando energia de locais sagrados em nós. Por essas e outras, o amor é antídoto necessário. Para mim, ele se apresenta de diversas maneiras, mas, principalmente, por meio de minha borboleta amarela. A ausência que me surpreende com sua chegada a cada caminhada despretensiosa ou em algum momento de concentração profunda e inebriante. A borboleta me restabelece pela sua simbologia, trazendo à luz o sorriso de meu pai.
Em seu voo, sinto o cheiro do perfume dele e quase consigo ver os trejeitos de criança que sempre fizeram parte do seu andar. O bater das asas é o sinal perfeito da liberdade de ser quem se é, atravessando a vida de quem se dispuser a recebê-la e embelezando, como fato inevitável, os jardins onde pousa.
Minha borboleta amarela é o lembrete da urgência da vida e do desamparo de origem ao qual pertencemos desde o nosso nascimento. Um desamparo que possibilita o desenvolvimento de nossa força e esperança, já que é comungado por todas as gentes por aí. Todos somos peças únicas, mas nem por isso ocupamos de uma só maneira o tabuleiro da vida.
Por meio de sua passagem envolvente, a borboleta encara os percalços do caminho com a virtude de quem já entendeu o que significa liberdade. Em momentos de completa distração, tendo a vê-la passar em voltas completas ao meu redor, como quem deseja certificar-se de que estou cuidando bem da minha autonomia e dos meus sonhos. Meu pai sempre me incentivou a seguir o meu caminho, pois assim ele também encaminhou sua vida, acreditando em si mesmo mais do que qualquer outra pessoa foi capaz de fazer. Que bom que sua ousadia ajudou a moldar a minha.
Graças à oração que fiz na noite de sua passagem, tenho o privilégio de me encontrar com ele com muita frequência, com o auxílio de tantas borboletas amarelas quanto ele pode me encaminhar ao longo dos dias. Sei que seu pouso é sinal de proteção em minha vida, independente do lugar onde ele esteja a me observar. Que use sempre os olhos e a liberdade de uma borboleta amarela para embelezar os dias, exalando a leveza que apenas almas como a dele adornam até mesmo depois da missão vivida fisicamente por aqui. Hoje, enquanto força da natureza, ele perfuma meu jardim dos sonhos, me fazendo lembrar sempre sobre a potência das realizações e sobre a simplicidade que, contra todos indícios contemporâneos, impera em nosso caminhar.
Minha borboleta amarela é paz e remanso. É feito dia de praia com maré baixa, daqueles que nos instigam o mergulho e a demora. Uma areia fina que acaricia a pele pela brisa leve da estação, resgatando em nós qualquer coisa de serenidade esquecida pelos cantos da vida apressadamente vivida. A minha borboleta é casa, pois é de onde vim. É o meu recado para meu pai e o seu para mim. É um combinado espiritual de graças e esperança, transformado em luz a cada vez que atravessa meu caminho, já que é capaz, mesmo à distância, de aninhar minha cabeça atordoada em seu colo, me lembrando que a vida é sempre um sopro mais ou menos demorado, daqueles que vale a pena aproveitar independente do modo como vier.
Depois de viver certas experiências na vida, não podemos mais ser como éramos. Algo dentro de nós balança tão forte que é como se todas as estruturas se consolidassem. O que desmorona também se vai para sempre, já que o que permanece do tormento é justamente o que nos constitui. A morte nos revela surpresas importantes, ao mesmo tempo que escancara as obviedades que sempre estiveram a um palmo de distância. Felizmente ou não, é o tempo que nos faz retornar a quem somos ou a nos transformarmos em quem tememos ser. Algo de essencial surge, e a cada aparição da borboleta amarela, traz novas sensações.
O fato de ser a borboleta amarela o sinal de presença de meu pai é algo que veio em oração. No entanto, quando penso profundamente na simbologia dela, entendo o quanto as coincidências não são verdadeiramente despretensiosas. Afinal de contas, toda a transformação pela qual ela passa é uma lição para todas as transformações potencializadas pela saudade e pela passagem. Também pela presença e pela força potenciais dos significados que atribuímos ao mundo.
À minha borboleta amarela, eu mando saudações a cada vez que nos encontramos. Por breves ou longos instantes, compartilhamos a materialidade de um mesmo ambiente que nos envolve, trazendo à luz qualquer coisa de encontro e de memória. Minha borboleta amarela me coloca em presença a cada vez que a mim aparece, iluminando meu amor pela minha vida e pela vida de meu pai. Essa presença é suficiente para transformar todo o entorno. Com a presença de minha borboleta amarela, fico em paz.

Thiane Ávila
Escritora